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Posição contrária: Obrigatoriedade para que filho de político estude em Escola Pública

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

/ by Airton Alves
Em 17 de Agosto de 2007 foi publicado no Diário do Senado o Projeto de Lei n. 480, que pretende obrigar a matrícula de todos os filhos e dependentes de qualquer agente público eleito, dos Poderes Legislativo e Executivo, em Escolas públicas, até no máximo o dia 1º de janeiro de 2014. A Proposta dirige-se à chamada "educação básica" (que vai dos 4 aos 17 anos de idade).

Na justificação desse Projeto, seu autor, o ilustre Sernador Cristovam Buarque considera a "maior prova do desapreço para com a educação das crianças do povo" a matrícula dos filhos dos dirigentes brasileiros em Escolas privadas. E adverte: "esta é uma forma de corrupção discreta da elite dirigente".

A Proposta, por sua originalidade, gravidade e alcance, merece uma reflexão profunda - esse é certamente um dos objetivos já alcançados pelo Projeto - confrontando-a com a Constituição brasileira não somente quanto ao seu teor, mas também diante de seus efeitos e dos meios eleitos para alcançar seus objetivos.

O Projeto de Lei n. 480/2007 tem o inegável propósito de melhorar o ensino público brasileiro. A finalidade do Projeto - não há margem para dúvida - é constitucional. Mas para atingir sua meta o Projeto utiliza mecanismos e construções que ferem a Constituição brasileira atual. Analiso aqui apenas quatro dimensões nas quais o Projeto alterca com a Constituição: a liberdade, a igualdade, a livre iniciativa e o pacto federativo.

Quanto a liberdade é possível identificar a afronta em diversos campos de seu exercício, como no caso da liberdade de escolha tanto dos filhos dos agentes públicos eleitos quanto dos próprios eleitos e respectivas famílias; outra faceta da liberdade que demanda extremo cuidado, em matéria de ensino, é a liberdade intelectual e religiosa, já que cada escola privada se diferencia - entre outras razões - por força de seu projeto pedagógico e método de ensino (tradicional, construtivista, etc), incluindo também, em alguns casos, o perfil religioso, como ocorre nas escolas judaicas, católicas, presbiterianas etc.

Diante da igualdade, o projeto de lei distingue crianças e adolescentes conforme sua filiação a agentes públicos eleitos, discriminando-os de maneira desarrazoada. A esse propósito e para bem esclarecer essa dimensão atingida pela Proposta, devemos pensar nos dois cenários possíveis. Suponha-se, em primeiro lugar, que o nível qualitativo de determinada escola pública seja idêntico ou superior (como já ocorreu no passado) ao de (algumas) escolas privadas. A obrigação criada pelo Projeto de Lei, nesse  cenário, será descabida por estabelecer um privilégio para os filhos de agentes públicos eleitos, que não terão de pagar pelo ensino de seus filhos, já que seu dever de matrícula nas Escolas públicas se transforma em obrigação dessas mesmas Escolas de oferecerem vagas pré-determinadas para esse universo de jovens. Em outro cenário, considere-se que o nível de muitas Escolas públicas é, na atualidade, pior do que o das Escolas privadas e encontrar-se-á, na medida, uma proposta de ampliar compulsoriamente o universo de crianças e adolescentes que receberão ensino precário. Considere-se, ainda, que as crianças e adolescentes, únicos atingidos diretamente, não terão sido responsáveis pela degradação das Escolas públicas e não serão capazes de realizar seu resgate educacional. O mesmo poderá ser dito para seus pais.

Na justificação do Projeto calcula-se que haja quase 65.000 (sessenta e cinco mil) agentes públicos eleitos que deduzem, em seus impostos de renda, os gastos de seus filhos que estudam em escola particular, o que significa que a Proposta determina o cancelamento compulsório dessas matrículas no setor da iniciativa privada (observo, ainda, que as Escolas privadas também não são as responsáveis pela degradação da Escola pública).

Outro aspecto a ser lembrado, mais formal mas não menos importante, é o nosso modelo federativo, já que o Projeto de Lei criará, caso aprovado, uma obrigação para todos os níveis federativos. A medida, em termos de abrangência, pretende alcance maior do que aquele que a Constituição lhe permite, pois ignora a autonomia de Estados e Municípios, supostamente por estar a defender um valor mais caro à sociedade do que o federalismo. Mas com isso fere a Constituição.

Existem outros pontos constitucionalmente desfavoráveis e impeditivos do prosseguimento desse Projeto de Lei, como o confronto com os dispositivos constitucionais de proteção à família, criança, adolescente e juventude, além do confronto com dispositivos pontuais da educação, como o art. 206. Finalizo, contudo, atendo-me ao contexto e à pretensão da proposta.

Da forma como encetado, o Projeto de Lei acaba por resumir toda a complexa problemática do ensino público brasileiro à falta de empenho e conhecimento dos agentes públicos eleitos. Seria o caso de se indagar se essa premissa é correta, especialmente considerando a preocupação de tantos parlamentares com a educação nacional; a presença e esforços marcantes do Senador Cristovam Buarque serviriam desde logo para desmentir essa ficção e, mais do que isso, provar que o objetivo pretendido transcende a vontade dos mandatários de cargos eletivos.

A educação clama por soluções que se iniciam, sim, na vontade política, mas dela se distanciam rapidamente. É preciso gerir e aplicar de maneira eficiente os recursos públicos e, aqui, canais de transferência de verbas e de acompanhamento de sua execução merecem um aprimoramento que passa ao largo do tema "educação". É preciso, ainda, atenção específica e qualificada para o planejamento pedagógico qualitativo e para o planejamento administrativo detalhado, o que demanda, do profissional, conscientização e dedicação; do Estado, demanda-se valorização e incentivo ao gestor da educação, bem como ao educador propriamente dito. Da família e da sociedade em geral demanda-se um acompanhamento e cobrança contínua.

Além disso, a matrícula compulsória desses jovens onerará desnecessariamente o custo da educação pública brasileira (independentemente de sua qualidade), retirando vagas e recursos de um sistema escasso e, em larga medida, infelizmente, precário (diria, irregular). E isso será feito sem se impedir a complementação privada do ensino público daquele jovem que é filho de agente público eleito - liberdade, alías, que não poderia mesmo ser cerceada por Lei - constituindo-se, aqui, um indicativo de que não há a mínima garantia de que o efeito pretendido pelo Projeto será alcançado na prática.

A análise mais detida sugere, ao contrário, a ocorrência de efeitos não devidamente calculados, como a criação de um mercado privado de ensino específico para os alunos coagidos a se fazerem presentes nas Escolas públicas e até mesmo a desistência de candidaturas de pais com filhos na idade atingida, conscientes de que a melhoria da Escola pública transcende a esfera de atuação e decisão do cargo eletivo por eles pretendido. O impacto, portanto, para a Democracia brasileira, não poderia ser desconsiderado. Teríamos, de forma velada, uma espécie de impedimento pessoal ou desestímulo (arbitrário) a certas candidaturas.

Estou de acordo em afirmar que o ensino público brasileiro merece mais atenção de todos os setores do Estado e da sociedade, inclusive um forte e mais rigoroso aparato normativo, que contribua com o acesso qualitativo de todos e que auxilie (e "incentive") o Estado na difícil missão de prestar um serviço público educacional eficiente, conduzindo-nos ao desenvolvimento verdadeiro. Essa será uma vitória histórica do Brasil, da cidadania, enfim, um abandono das velhas práticas elitistas. Mas os caminhos para atingir esse objetivo ainda precisam ser desbravados, com o sentimento de urgência que a Proposta desperta, mas também com a clareza de todos seus efeitos e respeito a outras dimensões, às liberdades constitucionais e democráticas.

Com informações do Jornal Carta Forense

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